27 de abril de 2010

Zeigeist, um delírio


Lá pelos anos 60, quando houve um novo boom de popularidade da trilogia “O Senhor dos Anéis”, críticos literários logo tentaram achar algum sentido escondido por trás das aventuras de Frodo e Aragorn. A mais popular delas comparava a Guerra do Anel com a Segunda Guerra Mundial.

E era bem feita. Tínhamos o “Um Anel” como uma alusão à bomba atômica, o exército de orcs quase idênticos seria uma referência à raça ariana. Os uruk-hai, soldados híbridos produzidos por um dos vilões, representariam a eugenia planejada pelo Terceiro Reich. Para deixar tudo perfeito, é só lembrar que Tolkien esteve numa guerra, mas acabou voltando do front por contrair na época aquilo que chamam de febre de trincheira.

Mas estava tudo errado. Questionado sobre o assunto num programa de entrevistas da TV britânica, o escritor riu e lembrou: “A história já estava planejada desde que eu era criança, não tem referência alguma à bomba atômica”. Fim de papo. Mesmo aparentando estar tão próximo da verdade, o estudioso que levantou a hipótese da alusão à Segunda Guerra errou. Seu pecado? Juntar a verdade com uma série de coincidências e atribuí-las algum sentido.

Zeitgeist é mais ou menos isso.

Ou pior. Zeitgeist é isso e mais uma série de referências mal-feitas a um sem fim de coisas sem fundamento algum. Para começo de conversa, o documentário, cuja primeira parte o Orlando classificou como “reveladora”, fala sobre a origem das religiões e prega que Jesus não existiu. Fora isso, ele ainda vai mais longe e escolhe a astronomia como pedra fundamental de todas as religiões do planeta.

A tecla na qual Zeitgeist mais bate é a da história de Hórus. Segundo a película, o deus egípcio teria nascido de uma mãe virgem, recebido a visita de três reis magos guiados por uma estrela em seu nascimento e voltado da morte. Tudo isso alinhado a uma série de referências astronômicas pouco confiáveis. O problema é que cinco minutos de pesquisas no “Google” fazem o documentário deixar de ser um forte argumento ateísta para a inexistência de Jesus e se tornar um filme de comédia pastelão.

Hórus não nasceu de uma virgem. Ele nasceu de Ísis, que juntou os membros de um esquartejado Osíris para revivê-lo. Novamente junto, o casal de divindades concebeu Hórus, que em nenhuma versão recebe a visita de três reis magos. Uma coisa é verdade, ele realmente volta dos mortos. Mas praticamente todos os deuses egípcios vão e voltam da morte como quem visita uma casa de veraneio, nada anormal até aí.

Ignorando esses erros, Zeigeist diz que todas as religiões têm uma origem semelhante: a astronomia. O movimento de certas estrelas em determinadas ocasiões no hemisfério norte seria responsável por praticamente toda a bagagem religiosa de todas as culturas pré-cristãs. A afirmação é absurda. Segundo o documentário, todas as religiões são frutos de povos distintos que interpretaram rigorosamente da mesma maneira um complexo movimento estrelar. Isso numa época em que nem todas as civilizações davam importância ou tinham conhecimento suficiente para explorar o movimento dos astros.

A piada de Zeigeist acaba por aí. Para quem realmente quiser argumentos sólidos acerca do ateísmo, recomendo Richard Dawkins, autor de “Deus, um delírio”. Já para os teístas que buscam reforçar sua fé com argumentos científicos, o melhor é “The Language of God” (não sei se foi lançado em português), de Francis Collins, um cristão protestante que foi um dos chefes do Projeto Genoma. Os dois são excelentes quando o assunto é abordar de maneira série os argumentos pró e contra a existência de Deus.

Sinceramente, ainda acho que a fé é um caminho. O mais cético dos ateístas deve saber que ele tem “fé” na inexistência de divindades. Em outras palavras, ele tem uma crença, assim como o mais fervoroso dos religiosos. No fim, tudo é fruto de decisões que as pessoas tomam em suas vidas, suas conseqüências e a maneira como elas lidam com isso.

Não há fatos, só interpretações.

Cada um acha uma coisa diferente dentro de si. E, no fim, todos encontram apenas o que querem ver.

3 comentários:

Chapolim disse...

Fantástico seu blog cara...

Já estou seguindo.

Luiza Shaddix disse...

chato :p

Mulherices disse...

Vamos por partes
1) Adorei sua crítica e a forma como a escreveu. Parabéns.
2) Não conheço o documentário em si, mas estudei um pouco de mitologia grega e já vi paralelos semelhantes ao Hórus-Jesus, ligando a lenda de Apólo a Jesus. Não recordo detalhes, mas lembro-me claramente de uma série de coincidências interessantes entre a história do filho de Zeus e o filho de Deus. Não acredito na inexistência de Jesus, mas creio que a lenda sofreu diversas influências de outras mitologias.
3) Embora não seja ateísta, achei Deus, um delírio um ótimo livro. Procurarei o do Francis Collins.
4) Finalmente, obrigada por seu comentário no Mulherices. Sempre que puder, visite-nos. Concorde e discorde a vontade. É muito legal contar com comentários de "pensadores".
Boa sorte, até o próximo post.
Lílian Buzzetto do Mulherices.